A desigualdade social e o futuro da humanidade |
Sex, 14 de Julho de 2017 13:09 |
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
O físico britânico Stephen Hawking, uma das mais brilhantes mentes já conhecidas, tem sido pessimista em suas previsões sobre o futuro. Em recente entrevista à BBC, deu apenas um século à nossa frente para que se encontre um novo planeta onde a espécie humana possa se instalar e sobreviver. Na sua visão, as alterações climáticas e o crescimento desenfreado da população mundial, entre outros fatores, prenunciam um desfecho apocalíptico para o planeta Terra.
Menos fatalista, mas igualmente sombrio, é o relatório da agência espacial americana (NASA), divulgado recentemente, que aponta sinais de um possível colapso da civilização. Por conta do estudo do Centro Nacional de Síntese Socioambiental, um órgão parceiro da Fundação Nacional de Ciências Norte-Americana, a NASA afirma que a humanidade corre sérios riscos devido à exploração insustentável de recursos naturais e ao aumento da desigualdade na distribuição de renda.
O matemático da Universidade de Maryland (EUA), Safa Motesharrei, um dos responsáveis pelo trabalho, concluiu que a modernidade pode não livrar o homem do caos: "a queda do Império Romano, e também dos impérios Han, Máuria e Gupta (entre outros), assim como tantos impérios mesopotâmios, testemunham o fato de que civilizações baseadas em uma cultura avançada, sofisticada, complexa e criativa também podem ser frágeis e inconstantes".
De acordo com as citações do cientista americano, a superpopulação no planeta (atualmente na casa de 7,2 bilhões de pessoas), as tensões ambientais (mudanças no clima, escassez de água, crise energética etc.) e outros fatores anunciam o declínio da civilização. Ele vai além e inclui com destaque nesta lista a estratificação econômica, vidente na maior profundidade do fosso entre os mais ricos e os mais pobres, sobretudo nos países menos desenvolvidos.
Como ressalta Motesharrei, a desigualdade entre as classes sociais ordena o fim de impérios há mais de cinco mil anos. Igualmente, o cientista lembra que o desenvolvimento tecnológico contemporâneo aumenta a produção, mas também estimula o consumo em níveis nunca vistos. Pelas conclusões, se todos adotassem o estilo de vida dos americanos seriam necessários cinco planetas para atender às necessidades da população.
Apesar da impossibilidade de exata previsão do futuro, a matemática, a ciência e a história fornecem pistas sobre as perspectivas de evolução da humanidade e, em particular, das sociedades ocidentais. Na visão do economista político Benjamin Friedman, a falência do atual sistema de produção poderia fazer ruir os pilares sobre os quais foi erguida a atual civilização ocidental.
Assim, as ameaças à democracia, às liberdades individuais e à tolerância social anunciam a iminência de um estado distópico, marcado pela disputa por recursos cada vez mais escassos e pelo crescimento da violência nas relações humanas, em todos os níveis. Para Safa Motesharrei, as elites acumulam riqueza, deixando pouco para os menos favorecidos, com consequências negativas para todo o tecido social.
Quase metade da população mundial vive com menos de US$ 3 por dia. No Brasil, o diagnóstico divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), situa o País no décimo lugar entre os mais desiguais do mundo, com a África do Sul no topo do ranking.
Na América Latina, o Brasil só fica atrás do Haiti, da Colômbia e do Paraguai. O seu percentual de desigualdade de renda (37%) é superior à média da América Latina, incluindo os países do Caribe (34,9%), e o aumento da criminalidade castiga a sociedade brasileira.
Com um total de 59.089 homicídios, o Atlas da Violência 2017, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, calcula uma taxa de 28,9 assassinatos para cada grupo de 100 mil brasileiros, inserindo o Brasil entre as nações mais violentas do mundo.
Os atentados terroristas do planeta nos cinco primeiros meses de 2017 não superaram a quantidade de homicídios registrada no País em 21 dias. Em 498 ataques de grupos extremistas, 3.314 pessoas morreram, enquanto, segundos dados do Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 3,4 mil pessoas foram mortas em três semanas.
Trata-se de uma guerra silenciosa, acirrada pelas desigualdades econômica e social. De cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. As regiões Norte e Nordeste são as mais penalizadas e, de forma individual, o maior impacto recai sobre os jovens, que sofrem com o aumento da taxa específica de homicídios em 17,2%, entre 2005 e 2015. Este índice 7,2 pontos percentuais maior do que o indicador nacional no mesmo período.
Diante desse quadro, em seu relatório, o Ipea acusa a "naturalização" do fenômeno do homicídio no Brasil e salienta o "descompromisso por parte de autoridades nos níveis federal, estadual e municipal com a complexa agenda da segurança pública". Essa falta de estrutura repressiva contribui com o recrudescimento da intolerância e do medo, gerando uma percepção de instabilidade social e da banalidade do mal.
No contexto global, quadros semelhantes aliados a outros fatores causais (estrangulamento da produção, desastres ambientais, pressões demográficas, endividamento progressivo dos estados nacionais) têm colocado o mundo numa "Faixa de Gaza".
O alerta de Stephen Hawking sobre a necessidade de um êxodo planetário deve levar a humanidade a reflexões sobre as escolhas racionais – individuais e coletivas – com o objetivo de redução da desigualdade social, do descompasso demográfico, do uso abusivo dos recursos naturais e do aumento da poluição, entre outros.
Tais opções políticas são difíceis, por vezes onerosas, mas não impossíveis, e se implementadas na prática poderão evitar uma situação de colapso global e conduzir a civilização pelos caminhos de um sustentável desenvolvimento.
Por suas dimensões continentais e riqueza ambiental, o Brasil é responsável perante a humanidade por esforços compatíveis com suas potencialidades no combate às iniquidades sociais e cuidados com o meio ambiente, imprescindíveis à civilização em nosso planeta azul e branco. Afinal, como disse Motesharrei, "nós não podemos esperar para sempre".
Palavra do Presidente publicada na edição nº 267 do Jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.
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O trabalho invisível e adoecedor dos agentes penitenciários |
Seg, 10 de Julho de 2017 11:01 |
Antônio Geraldo da Silva* e Rosylane Mercês Rocha**
Em recente veiculação nas principais redes de comunicação, o Brasil e o restante do mundo ficaram consternados com a morte de 56 detentos em uma rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus (AM). As autoridades federais e estaduais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Comissão de Direitos Humanos, prontamente manifestaram-se e agiram em resposta ao massacre que ceifou as vidas que estavam sob a guarda do Estado. Foram 17 horas de rebelião em 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz e Dia da Fraternidade Universal, ocasião em que vários prisioneiros foram mortos, decapitados e esquartejados e 12 agentes penitenciários ficaram sob posse dos rebeldes.
Dos 12 reféns, seis foram libertados ao longo da noite e o restante na manhã seguinte. O susto foi tão grande que a maioria foi levada à emergência do hospital psiquiátrico da região com sintomas de ansiedade intensa, como insônia, tremores e falta de apetite. Alguns precisaram tomar medicamentos para aliviar as reações causadas pelo medo intenso. Para eles, não existe acompanhamento prévio de equipe multiprofissional, o que é grave. E apesar de todo esse pânico, não foram veiculadas notícias sobre o drama vivido pelos agentes penitenciários. É nesse sentido que trazemos à baila a discussão sobre o trabalho invisível e o sofrimento desses trabalhadores.
A atividade laborativa desses servidores consiste em realizar atendimento às necessidades dos detentos, como: orientação; assistência; guarda e custódia; operação do sistema de veículos; revista nos segregados em celas, pátios e outras dependências; revista dos visitantes, servidores e demais pessoas que adentram nos estabelecimentos; segurança dos profissionais que fazem atendimento aos custodiados; vigilância interna e externa, incluindo as muralhas e guaritas; contenção; escolta armada em cumprimento às requisições das autoridades competentes e nos apoios a atendimento interno e hospitalar e de saídas autorizadas; escolta armada em transferências; assistência em situações de fugas, motins e rebeliões; auxílio na recaptura de foragidos e demais operações especiais. As atividades estão descritas nos editais de concurso público, com jornada de 40 horas semanais em regime de plantão, com salário de R$ 2 mil e exigência de nível superior.
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), publicado pelo Ministério da Justiça em junho de 2015, a população carcerária do Brasil conta com 607.731 presos, com um custeio anual de R$ 12 bilhões. Esse total representa uma sobrecarga de trabalho gigantesca para o número insuficiente de agentes penitenciários. Para se ter ideia, há uma unidade com 625 detentos que chega a ter apenas três agentes por plantão. Durante as movimentações em que acompanham os detentos – para banho de sol, consultas, recebimento de visitas e idas ao fórum –, os agentes permanecem expostos, sem qualquer equipamento de segurança ou de monitoramento nas dependências. Para exemplificar, com 40 presos em trânsito, um grupo de seis agentes chega a realizar 250 movimentações em um único plantão. A tensão é permanente. O trabalhador precisa estar alerta durante toda a jornada laboral, o que acarreta um nível de estresse altíssimo.
Ao prender os criminosos, o Estado reconhece os riscos que esses sujeitos representam para a sociedade. Na invisibilidade do seu ofício, os agentes penitenciários têm importante papel no processo de ressocialização dos detentos. Todavia, vivenciam o temor por sua própria segurança. Eles também testemunham as condições desumanas dos ambientes prisionais, vivem a frustração de não conseguirem atingir o objetivo no processo de ressocialização e a acompanham constantemente práticas de violência, nos mais variados sentidos, impostas pelo próprio sistema em sua (des)estrutura organizacional.
Para o exercício da atividade de agente penitenciário, há que se fazer uma adaptação de vida que envolve parentes e amigos. A família é orientada a não comentar sobre a profissão do agente e se priva de atividades sociais comuns. Um carro parado à porta ou pessoas estranhas passando por perto são motivo de alerta e medo. Soma-se a isso o terror daqueles que sabem que fazem parte da “lista” dos marcados para morrer por determinação dos líderes das facções. Como trabalhar em condições tão desumanas e viver diariamente sob forte pressão e medo?
Para piorar, em total desrespeito às normas de segurança e saúde no trabalho e ao arrepio da Constituição Cidadã, o agente penitenciário está exposto a riscos reais de adoecimento por enfermidades infectocontagiosas ou por transtornos mentais. Até mesmo o adicional de insalubridade é pago sob ordem judicial, apesar dos laudos técnicos comprovando as condições insalubres de trabalho, uma vez que a profissão nem sequer consta no Anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 (Portaria MTE nº 3.214, de 8 de junho de 1978). Em vários sentidos, o trabalho dos agentes não é visto, não é reconhecido e tampouco é valorado em sua complexidade.
Transtorno misto de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, estresse pós-traumático, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dor crônica e tuberculose estão entre as principais doenças que acometem os agentes. A ausência de reconhecimento e de sentido de utilidade, o completo desrespeito às normas de segurança e saúde, a falta de assistência médica e psicológica, a insegurança e o alto índice de estresse ocupacional são causas incontestes do adoecimento do agente penitenciário.
É urgente que o Estado adote medidas de saúde e segurança nos presídios e promova assistência à saúde física e mental dos agentes penitenciários, disponibilizando médicos do trabalho, psiquiatras e psicólogos para atendimento necessário a esses profissionais. Chega de ser ausente.
* Psiquiatra, superintentende e CEO da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL).
** Médica do trabalho, secretária nacional da International Commission on Occupational Health (ICOH) no Brasil, diretora de legislação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), presidente da Associação Brasiliense de Medicina do Trabalho e conselheira federal de medicina.
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Ordem na judicialização da saúde |
Seg, 12 de Junho de 2017 12:37 |
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
A decisão tomada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio, deve gerar desdobramentos significativos na chamada judicialização da saúde. Por ser considerado tema de recurso repetitivo, o ministro Benedito Gonçalves determinou a suspensão de processos movidos por pacientes que pleiteiam medicamentos não contemplados em lista disponível no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
O repetitivo é um dispositivo jurídico usado quando um grupo de recursos possui teses idênticas, ou seja, tem fundamento na mesma questão de direito. Quando um tema de recurso é classificado como repetitivo, seu processo fica suspenso no tribunal de origem até o pronunciamento definitivo do STJ sobre a matéria.
A orientação do STJ decorreu da análise de controvérsia envolvendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que manteve sentença determinando ao Estado o fornecimento de três colírios a uma paciente com diagnóstico de glaucoma, que alegou não possuir condições financeiras para adquirir os medicamentos prescritos (REsp nº 1657156/RJ). Para o tribunal fluminense, o poder público deve fornecer assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitarem, conforme estabelecem a Constituição Federal e a Lei nº 8.080/1990. Todavia, para o estado do Rio de Janeiro, o SUS deve fornecer apenas os medicamentos previstos em atos normativos do Ministério da Saúde.
Como impacto imediato, a decisão do STJ já gerou a suspensão do andamento de 678 processos (individuais ou coletivos) que tramitam atualmente no território nacional e tratam de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria nº 2.982/2009, do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais).
Conforme previsto pelo Regimento Interno do STJ e pelo Código de Processo Civil, a definição da tese pela Primeira Seção orientará as instâncias ordinárias da Justiça, inclusive os juizados especiais, para a solução de casos que evoquem controvérsias semelhantes. O referido posicionamento refletirá também na admissibilidade de recursos para o Superior Tribunal de Justiça e em outras situações processuais. Contudo, o STJ afirma que a suspensão nacional dos processos que discutem o fornecimento pelo Estado de medicamentos não incluídos em lista do SUS não impede os juízes de primeira ou segunda instância de apreciarem demandas consideradas urgentes, a exemplo dos pedidos de liminares. Nestes casos, os pacientes deverão comprovar a urgência da demanda e especificar a eficácia e a segurança do medicamento solicitado. Alerta ainda que não há impedimento para o cumprimento de medidas cautelares já deferidas.
O ministro Benedito Gonçalves esclareceu que “os recursos repetitivos não foram criados para trancar o julgamento das ações, mas para uniformizar a interpretação de temas controvertidos nos tribunais de todo o País. Por isso, não deve haver a negativa da prestação jurisdicional”. Trata-se de um importante passo que fortalece com racionalidade e integralidade os princípios constitucionais do SUS.
Levantamento recente, divulgado pelo Ministério da Saúde, aponta que os pedidos com decisão favorável na Justiça se multiplicam nas três esferas de Governo. A estimativa é de que os gastos de prefeituras, governos estaduais e da União com o fornecimento de remédios por ordem judicial somem R$ 7 bilhões por ano. Este valor corresponde a 6% do orçamento federal para a área da saúde em 2017. O SUS tem matriz valorativa e jurídica na Constituição Federal de 1988 que, conforme os ditames do seu artigo 196, ressalta: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Porém, apesar do expresso direito do paciente, essas sucessivas decisões podem causar desequilíbrio nas contas públicas e prejudicar a execução de políticas e programas. Em muitas situações, o Judiciário autoriza demandas sem considerar, em tese, a globalidade de políticas públicas, levando o Executivo a concretizar direitos que, na realidade, exigem esforços materiais e/ou financeiros desproporcionais, desrespeitando-se ainda a razoabilidade e o Princípio Constitucional da Reserva do Possível.
O Princípio Constitucional do Mínimo Existencial apenas deve preceder o Princípio da Reserva do Possível em parâmetros de proporcionalidade, razoabilidade, racionalidade, idoneidade e de riscos de danos irremediáveis à saúde, um bem indissociável da vida.
O tema já despertou a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem buscado as soluções desejadas. Por sua vez, espera-se do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a atualização das listas de medicamentos e de procedimentos médicos disponibilizados pelo SUS, o que será de grande relevância para as decisões dos médicos.
Afinal, apenas um médico pode dizer se o paciente necessita de um determinado medicamento ou não, devendo orientar o juiz nesse sentido com base científica para sua decisão. Assim, contribuirá para diminuir a pressão dos lobbies farmacêuticos, que buscam aumentar a venda de um medicamento específico, evitando-se o questionamento desnecessário de diretrizes científicas previamente determinadas. A saúde pública e a justiça brasileiras aguardam, com ansiedade, por esse ordenamento que se constitui como alicerce dos direitos de cidadania e das decisões judiciais criteriosas, em benefício do bem-estar individual e coletivo.
Palavra do Presidente publicada na edição nª 266 do Jornal Medicina.
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Tráfico de crianças e adolescentes |
Sex, 02 de Junho de 2017 11:31 |
Sidnei Ferreira*
Exageros e “pós-verdades” à parte que habitam as mídias sociais, o risco de rapto e abdução de crianças e adolescentes para adoção ilegal, remoção de órgãos, trabalho escravo e exploração sexual é real e não raro.
Segundo a ONU, existem 25 milhões de crianças e adolescentes desaparecidos e 46 milhões de trabalhadores escravos no mundo (40% crianças e adolescentes). No Brasil, são 250 mil pessoas desaparecidas, sendo que apenas 15% são encontradas. A cada quinze minutos uma criança ou adolescente desaparece, segundo dados de CPI da Câmara dos Deputados de 2010.
Só em 2016, no estado de São Paulo, foram lavrados cerca de 22 mil boletins de ocorrência de desaparecimento de pessoas; entre janeiro de 2009 e setembro de 2014, 129.065 (destes, 9 mil relativos a crianças e 46 mil a adolescentes, segundo o MP-SP e o PLID-SP). Não é diferente no mundo: 400 mil pessoas desaparecidas na Inglaterra e 600 mil nos EUA.
A adoção ilegal é crime mesmo com o disfarce de informalidade ou “adoção à brasileira”, pois prejudica os inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, não leva em consideração os interesses da criança e do adolescente, e pode encobrir o tráfico de pessoas.
A Lei 13.344/2016 baliza o combate ao tráfico de crianças e adolescentes, dispondo sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e introduzindo artigo no Código Penal que considera a adoção ilegal como tráfico. Essa lei também qualifica, igualmente, crime “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal; ou exploração sexual”.
Há muita coisa a ser feita. É preciso conscientizar e envolver, diariamente, a população, colocando esse tema, através de todos os meios de comunicação, em escolas, clubes, associações, estações de trem e metrô, pontos de ônibus e, principalmente, nos lares. É necessário envolver governos e autoridades.
O CFM criou em 2011 a Comissão de Projetos Sociais para ajudar nesse enfrentamento. Entidades como os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e a Sociedade Brasileira de Pediatria e de Anestesiologia aderiram, assim como artistas e imprensa.
Para combater o crime e resgatar pessoas é necessário que se integre instituições estaduais, como as secretarias de Saúde, Segurança Pública e Assistência Social, o sistema prisional, o IML, o SVO, a Polícia Militar, às nacionais como os ministérios da Saúde, da Justiça, dos Transportes, das Relações Exteriores, a Polícia Rodoviária Federal, o Serviço de Inteligência, entre outros. É preciso ativar e manter atualizados bancos de registros digitais, fotográficos e de dados genéticos.
Exemplo de atitude simples que funciona é o fluxograma criado no Hospital das Clínicas de Mogi das Cruzes para ocorrência policial ou paciente não identificado. É só copiar, adaptar e usar.
Dois projetos de Lei se aprovados ajudariam: um obriga a identificação de crianças atendidas nas unidades de saúde e outro obriga a própria autoridade policial a registrar o boletim de ocorrência no Cadastro Nacional de Desaparecidos (CND). Hoje quem o faz é o denunciante, que em muitos casos é autor ou cúmplice do crime. Acrescentaria abrir o CND à sociedade.
Podemos fazer a diferença ao atender nossos pacientes com a perspectiva de que pode ser uma pessoa desaparecida.
Além do mais, a perda de tempo pode ser fatal. Quanto mais tempo se perde, menor a chance de ser encontrada. Não é necessário aguardar algum intervalo de tempo para que alguém seja considerado como desaparecido e cadastrado como tal.
O uso do Alerta Amber aguarda decisão do Ministério da Justiça; aguardamos a criação do observatório das crianças desaparecidas no vaticano ou na ONU. A integração e trabalho nos estados, no país e no mundo nos aguarda.
* Sidnei Ferreira é diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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